quarta-feira, 29 de julho de 2009
o mameluco
despertei sozinho. os primeiros raios de sol despontavam. espreguicei-me, olhos cerrados, vontade de pular. fui em busca de meu alimento. não com a fome costumeira. parecia desejar mais os pulos do que seus resultados. respirava um ar diferente. todos ainda dormiam. ouvia narizes e bocas. pulmões. os do sol, inclusive. tudo respirava como nunca! sentia-me muito bem. pulei. pulei! mais e mais. por todos os cantos. ao som de todos eles. bem-te-vi! curió! tico-tico! pulava ainda mais. chegava quase ao céu! então avistei aquele ser que mudaria pra sempre todo o sempre dali pra frente.
era grande. gigante, posso dizer! pensei já ter visto outros parecidos. não, não. talvez a mesma espécie, mas aquele ser era outro-ser. além. havia cores. belas cores. um apanhado delas. decidi chegar mais perto. as formigas - da família real vermelha - tomavam conta de um objeto que não sei dizer o nome. pareciam bastante concentradas. as da família real negra caminhavam em sua tradicional e organizada fila. o ser permanecia ali. imóvel. era capaz de ouvir seu pulmão. como respirava fundo! trazia mais paz do que já havia ali. a paz do ser e a paz de lá misturavam-se, como que em dança. mantive meus olhos atentos. como era linda, a dança das pazes...! meditei naquela beleza por grandes instantes. de onde vem esse ser? o que faz aqui? parece até fazer parte!
notei que as formigas da família real negra mudaram sua rota. seria possível? já não andavam sobre a terra. passaram a caminhar sobre o ser. era mesmo inédito. o ser havia conseguido permissão para fazer parte do ecossistema. resolvi chegar ainda mais perto. era preciso. aquelas cores pareciam me chamar.
único. sentia o aroma que nascia de sua pele mameluca. será isso o que chamam de alma? olhava o ser sem parar. a dança das pazes. as cores todas. nunca havia passado por meus pulos algo de tamanha grandeza. por maiores instantes, meditei ali mesmo. meus olhos cinzas eram incapazes de se mover. encantamento do mais puro. instantes e mais instantes. mais. mais.
nasceram do ser dois olhos gigantes. eram lindos. olhos mamelucos, como a pele. não me movi. fitei aqueles olhos que me fitavam. meditamos, juntos. mais instantes. nenhum de nós se movia. então indaguei: "você está bem?". foi então que ele me mostrou o que mudou pra sempre todo o sempre dali pra frente. não precisei de explicação. ouvia falar daquilo sem conseguir visualizar. tentava, mas não era capaz. sonhava com aquilo sem saber quando veria um de verdade. ele me mostrou. a pele mameluca movimentou-se, leve, e dela nasceram, reluzentes, mágicos-mármores-brancos: o sorriso.