Capítulo 42
Da lição daquela aula já sabia tudo. Os outros não. Resolvi sair mais cedo da escola. A professora não iria mesmo criar problemas sobre isso. Então eu fui.
Encantei-me com a paisagem inédita: o pipoqueiro, assobiando distraído, ainda dando rumo à sua panela velha de bordas já pretas. A moça das balas conversando com o dono da banca, provavelmente sobre o tempo quente que havia decidido se instalar na cidade, oh, que desgraça! Apenas uns dois ou três carros velhos com pais um pouco menos velhos dentro, o melhor aparentado deles com o braço esquerdo jogado à quentura de fora, o cigarro nas pontas dos dedos, como que aceso pelo próprio mormaço, e o olhar-de-pai mais perdido que já havia visto até então.
Tomei o rumo de casa, bastante satisfeito com o segredo dos bastidores. Aquilo tornara minha caminhada cheia de memórias um pouco mais curiosa.
Cheguei suado como um porco. Mamãe correu à porta, tirou-me a mochila pesada das costas e disparou a falar. Como sempre fazia, mas neste dia mais. Devido ao calor, talvez, ou aos meus quinze minutos de surpresa. Interrompi o monólogo com uma inútil, porém bem interpretada pergunta sobre o almoço. Calou-se por alguns instantes, como se tentasse entrar conscientemente ao que seria, de fato, um di-álogo, e levou-me, muda, à pequena mesa da cozinha, de cor verde-água e beiras de madeira velha e lascada, encostada à parede fria de azulejos floridos. Como amava aquela mesa!
Lá estava meu prato branco e vazio. O cheiro da carne já inundava toda a casa, como sempre. Numa escolha inexplicável que muito me alegrou, havia também fritado batatas. O dia era mesmo estranhamente único. Serviu-me delicadamente, com os olhos fixos naquele sagrado almoço. Resolvi fitá-la por instantes. E mais instantes. E ela insistia em não me olhar nos olhos. Colocou o prato sobre a mesa, ainda delicadamente. Já pode comer, meu amor. Eu ainda encarava aqueles olhos negros e distantes. Obrigado, mamãe! Estou feliz com as batatas! Elas também estão felizes com você, meu filho. Que bom! Então desisti de fazê-la encarar-me e resolvi dar fim à bendita fome. Ela então se sentou na outra cadeira também verde-água que restava e pôs-se a olhar pro nada novamente, passando suas mãos calejadas e mimosas sobre a minha, nem tão calejada assim, aos meus 12 anos.
Como você está, mamãe? Passo bem, meu filho. Mesmo? Sim, sim. Eu devia te ajudar mais com os afazeres aqui de casa. Não, meu filho, nunca! Pra você só quero a escola. Acha que vou jogar isso fora? Não faço como as outras mães da vizinhança, que parece que querem se vingar da própria ignorância e deixam os filhos seguirem seus passos. Você não é como nenhuma outra mãe da vizinhança, mamãe. Nem é ignorante. E me tem muito amor, que eu sei! Ô, meu filho... E tornou a acariciar-me com suas mãos calejadas e mimosas. Seu olhar voltou ao nada e o meu voltou ao prato.
Ali ficamos. Por horas. Entregues, como antes, à minguada trilha sonora dos talheres.